Unidade 3 - Imunidade e controlo de doenças
A vacinação contra o vírus do papiloma humano, principal
responsável pelo cancro do colo do útero, parecia não servir para tratar
lesões pré-cancerosas já instaladas. Cientistas mostraram agora que não
é bem assim.
Os resultados preliminares de um pequeno ensaio clínico mostram que,
nalgumas mulheres com lesões pré-cancerosas do colo do útero, um
tratamento à base de vacinas experimentais contra o vírus do papiloma
humano – o HPV, responsável pela grande maioria destes cancros –
consegue desencadear uma resposta imunitária capaz de fazer regredir
totalmente as lesões.
Os autores do
estudo, que publicaram os seus resultados na última edição da revista
Science Translational Medicine,
esperam que a vacinação terapêutica venha um dia a substituir o actual
tratamento deste tipo de lesões, que consiste na sua remoção cirúrgica
de forma a impedir que evoluam para uma forma maligna.
Actualmente,
as vacinas comercializadas contra o HPV destinam-se a prevenir a
infecção do organismo humano por este vírus sexualmente transmissível,
nomeadamente nos jovens que ainda não iniciaram a sua vida sexual
activa. Porém, essas vacinas não funcionam como tratamento nas pessoas
que já foram infectadas quando, através de um esfregaço vaginal de
rotina, lhes é detectada uma lesão pré-cancerosa.
Até aqui, foram
testadas diversas vacinas experimentais destinadas a tratar as lesões
pré-cancerosas já instaladas, mas sem resultados convincentes. Em
particular, os especialistas não conseguiram detectar, no sangue das
pessoas vacinadas, alterações do sistema imunitário que indicassem
sequer que o seu organismo estava a ser estimulado a lutar contra o
vírus.
Mas agora, no seu ensaio clínico, em vez de se limitar a
analisar o sangue, Cornelia Trimble, da Universidade Johns Hopkins
(EUA), e colegas optaram por ir ver, mesmo no interior do tecido
lesionado, se a vacinação estaria a surtir algum efeito “escondido”. E
descobriram pela primeira vez que algo de significativo estava de facto a
acontecer.
Os cientistas vacinaram 12 mulheres que apresentavam
lesões pré-cancerosas, ditas "de alto grau", do colo do útero. Todas
essas lesões estavam associadas à estirpe do vírus HPV16 – que
juntamente com a estirpe HPV18, causa a grande maioria dos cancros do
colo do útero.
Diga-se de passagem que as lesões pré-cancerosas de
grau inferior podem desaparecer espontaneamente, sem cirurgia – e
basta, numa primeira fase, vigiá-las. Mas 30% a 50% das lesões de alto
grau dão origem a cancros invasivos – e como não há maneira prever quais
o irão fazer, é preciso removê-las em todos os casos.
Três injecções
A
equipa utilizou duas vacinas. Uma delas, feita à base de moléculas de
ADN, provoca a produção pelo organismo de uma proteína específica do
vírus HPV16 presente na superfície das células pré-cancerosas –
incitando assim, em princípio, o sistema imunitário das participantes a
reconhecer essas células como “inimigas”. A outra vacina, feita à base
de um vírus vivo, mas não infeccioso, é capaz de detectar e matar as
células pré-cancerosas que apresentam à sua superfície quer a já
referida proteína do HPV16, quer uma outra, proveniente do HPV18.
Ao
longo de oito semanas, a primeira vacina foi utilizada duas vezes (logo
no início e a meio do tratamento), enquanto a segunda vacina foi
administrada uma única vez no fim. Um grupo de seis participantes
recebeu uma dose alta desta segunda vacina, enquanto outros dois grupos,
de três participantes cada, receberam doses diferentes mas mais fracas,
escrevem os cientistas. Sete semanas a seguir à terceira injecção (com a
segunda vacina), todas as lesões foram removidas cirurgicamente e
analisadas.
Os cientistas constataram, em primeiro lugar, que em
cinco das mulheres – três das seis vacinadas com a dose mais alta da
segunda vacina e uma em cada um dos dois grupos tratados com doses
inferiores – as lesões tinham desaparecido. E ainda que as mulheres
vacinadas a quem fora removido tecido lesionado após essas 15 semanas
apresentavam, no interior das lesões, um significativo aumento dos
níveis de linfócitos CD8 – as células “assassinas” do sistema
imunitário.
Pelo contrário, nas amostras de sangue, também
colhidas junto de todas as participantes, essa alteração não foi
detectada com a mesma intensidade. Outros indicadores da activação do
sistema imunitário também foram observados nas células do colo do útero
de três das mulheres vacinadas. Até hoje, nenhuma das mulheres (a
primeira foi vacinada em 2008 e a última em 2012) tornou a desenvolver
lesões.
“Encontrámos alterações notáveis do sistema imunitário
dentro das lesões, que não eram tão óbvias no sangue das doentes”, diz
Trimble, citada em comunicado da Universidade Johns Hopkins.
Os
cientistas tencionam recrutar mais uma vintena de voluntárias para
testar uma combinação das duas vacinas com um creme aplicado
directamente nas lesões, destinado a reforçar localmente a resposta
imunitária.