A síndrome do X frágil é uma doença genética que afeta cerca de um rapaz em 4000
Cientistas nos EUA descobriram o mecanismo que, nas primeiras fases
do desenvolvimento fetal humano, provoca a síndrome do X frágil ao
“desligar” um único gene.
Os seus resultados, que também mostram que é
possível travar esse “silenciamento” genético in vitro com um
composto químico – o que, segundo eles, poderá abrir a via ao tratamento
desta e de outras doenças – são publicados na revista Science com data desta sexta-feira.
A síndrome do X frágil é a causa genética mais
frequente de atraso mental hereditário e de autismo (é responsável por
5% dos casos de autismo). Surge quando um gene, chamado FMR1 e situado
no cromossoma sexual X, é de repente desligado para sempre, por volta da
11.ª semana de gestação, o que impede o fabrico pelas células do
cérebro do futuro bebé de uma proteína essencial à transmissão neuronal.
A
síndrome é mais frequente nos rapazes, porque estes apenas possuem um
cromossoma X (as raparigas possuem dois), afectando cerca de um rapaz em
4000 (contra uma em 8000 raparigas).
Provoca não só deficiências
intelectuais, como também perturbações emocionais e do comportamento.
Não tem cura, nem tratamento.
Sabe-se há anos que a doença surge
devido a uma mutação no gene FMR1 que consiste na repetição, centenas de
vezes, de um trio das “letras” que compõem as moléculas de ADN: CGG (o
“alfabeto” do ADN tem quatro letras, A, C, G, T). Sabe-se ainda que, a
partir de mais de 200 repetições consecutivas desta sequência, o gene
FMR1 vai literalmente abaixo, com as já referidas consequências.
Mas
até aqui ninguém fazia ideia por que é que, abaixo de 200 repetições,
uma pessoa pode ser portadora da síndrome, mas não apresentar nenhum dos
seus sintomas. Os resultados agora obtidos por Samie Jaffrey, da Universidade Cornell (EUA), e colegas esclarecem este enigma.
Estes
cientistas realizaram experiências em culturas de células estaminais
derivadas de embriões humanos doados que tinham sido previamente
diagnosticados como tendo síndrome do X frágil, uma vez que o seu gene
FMR1 continha mais de 400 repetições da nefasta pequena sequência. As
células estaminais embrionárias são capazes de dar origem a todos os
tecidos do organismo.Neste caso, a equipa de cientistas “obrigou” essas células a diferenciar-se em neurónios para conseguir monitorizar o que acontecia ao gene FMR1 durante as primeiras fases do desenvolvimento cerebral. Deixaram o sistema evoluir durante 60 dias e constataram então que a diferenciação celular – e o silenciamento do gene FMR1 – ocorriam após cerca de 50 dias. O mesmo acontece nos embriões humanos afectados pela síndrome do X frágil, quase no fim do primeiro trimestre de gravidez.
No início, explicam os autores, o gene FMR1 funcionava normalmente nas células em cultura. Em particular, essas células transcreviam a informação contida no gene FMR1 para uma outra forma de material genético, o ARN mensageiro, moléculas encarregadas de transmitir a ordem de fabrico da dita proteína à maquinaria celular prevista para o efeito. As células também fabricavam a tal proteína essencial ao desenvolvimento cerebral cujo fabrico é normalmente comandado pelo gene FMR1.
Mas de repente, ao 48º dia, tudo mudou. Tanto os níveis do ARNm como da proteína em causa caíram a pique. Por alguma razão, o gene FMR1 tinha sido desligado.
Os cientistas descobriram então que o que provocara essa repentina disrupção genética era que partes do ARN mensageiro transcrito a partir do gene FMR1 mutado tinham literalmente empatado o funcionamento daquele gene, colando-se ao seu ADN e impedindo o seu normal funcionamento. E que isso tinha acontecido precisamente por causa do elevado número de repetições da tríade CGG no gene mutado.
“Descobrimos que o ARN mensageiro é capaz de encravar o ADN do gene FMR1, desligando o gene”, diz Jaffrey em comunicado da sua universidade. “Isto é algo que até aqui ninguém sabia.”
A molécula de ADN é composta por duas cadeias de “letras”, quimicamente ligadas entre si e enroladas uma em torno da outra numa dupla hélice. As duas cadeias são complementares: cada letra C numa delas corresponde a um G na outra e cada A a um T. Mas o que acontece aqui de diferente é que é o ARN mensageiro do gene FMR1 que se liga a uma sequência complementar numa das cadeias de ADN. “Trata-se de um novo tipo de mecanismo biológico, onde uma interacção entre o ARN e o ADN do gene da síndrome do X frágil provoca a doença”, frisa Jaffrey.
“Como a mutação no gene FMR1 responsável pela síndrome do X frágil consiste numa longa sequência genética repetitiva”, explica ainda o investigador, “é muito fácil que uma porção suficientemente longa dessa sequência, quando transcrita para ARN mensageiro, encontre a seguir, no próprio ADN do gene, uma sequência complementar.” E, quando isto acontece, o ARN mensageiro agarra-se ao ADN, numa associação híbrida que até aqui não se sabia ser possível e que inactiva definitivamente o gene.
Fonte: http://www.publico.pt/ciencia/noticia/descoberto-gatilho-da-forma-mais-comum-de-atraso-mental-e-autismo-1626468
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